23 novembro 2010

Os garotos da garagem - parte 4

Seguindo em frente com o tour, no mesmo vão, encontra-se o “escritório”. Na parede externa da sala, fica uma bandeira do Náutico. Dentro, há um sofá, duas cadeiras, uma TV e um Super Nintendo. Foi ali que, em mais um dia, sentamos confortavelmente e conversamos com Marcos, que, com a intimidade e pela última sílaba de seu nome, é chamado pelos companheiros de Cu. Ele sabe o dia exato em que achou o seu esporte: 22 de setembro de 2008, conta com orgulho. Uma dessas precisões que só o gosto extremado é capaz de prover. Pensando no seu futuro, Marcos se dedicou aos estudos – o que o obrigou a dar uma pausa no remo durante o ano passado. Desde janeiro, agora técnico em eletrônica formado pelo CEFET e aprovado em concurso de ingresso na aeronáutica, Cu está de volta à garagem. Tem consciência que, na altura da vida que ele construiu, o remo é somente um prazer a que ele se dedica apaixonadamente à espera da convocação para a carreira militar. Um prazer tão escancarado que inspirou seu irmão, Lucas, que chegou onde estávamos e se juntou à conversa, a seguir o seu caminho desportivo. Pela diferença de idade, eles não são da mesma categoria – e só remaram juntos no mesmo barco uma vez. Mesmo assim, a vida na garagem os aproximou e, além do prazer de remar, Lucas herdou, do irmão (que deixou a sala), o apelido: virou Cuzinho. Cuzinho, 15 anos, estudante no 2º ano do ensino médio, pretende permanecer no remo e galgar o máximo que puder no esporte, falando até em chegar nas Olimpíadas. Sabe, porém, que, no Brasil, muitas vezes os sonhos ainda diferem das metas. Começa, por isso, a pensar em, assim como o irmão, fazer um curso técnico e entrar na carreira militar.

As nossas barrigas começavam a soltar grunhidos, denunciando o avanço das horas. Paramos nossa conversa e saímos do escritório. Cuzinho nos conduziu pela oficina, onde antigamente construíam os barcos de madeira. Hoje, os barcos são mais tecnológicos, feitos de fibras de carbono – uma técnica mais cara e que não foi ainda dominada pelos clubes brasileiros. Assim, a oficina do Náutico não trabalha em plenos vapores, mas faz pequenos reparos nos barcos e remos que se desgastam. Um funcionário mal humorado se dedicava a uma embarcação quando Cuzinho perguntou: “e aí, quando é que esse barco fica pronto?”. A resposta veio seca: “quando eu receber meu salário”. O remo não possui um orçamento animador e os funcionários do clube dependem da administração central pra receber seus rendimentos. A administração central, por sua vez, depende dos resultados do futebol. Assim, se o primo rico estiver em má fase no Náutico significa que os funcionários estarão insatisfeitos, sem receber um tostão. Essa vivência faz com que todos no clube, até aqueles que antes apoiavam outros times dentro das quatro linhas, torçam intensamente pelo Timbu, inclusive nos gramados.

A oficina possui, ao fundo, uma saída para a cozinha – e foi para lá que andamos. Há uma televisão e uma grande mesa com várias cadeiras em volta, onde fazem as refeições. A cozinheira, funcionária do clube, trabalha em um cômodo conjugado, onde ficam o fogão e a geladeira. Quando, por ventura, ela não pode ir, alguém da equipe ou da comissão técnica assume a função. Aceitamos o convite para sentarmos à mesa. Restavam poucos tomando café da manhã: a maioria já havia comido, tomado banho e ganho o mundo. Conversamos amenidades enquanto comíamos pão assado com suco de laranja. Na TV, os gols da rodada no desfecho do Bom Dia Brasil.

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