23 novembro 2010

Os garotos da garagem - parte 2

Nesse instante, podem vislumbrar a fachada da garagem: ela é simples. Como não poderia deixar de ser, branca e vermelha, estampada com um austero escudo do clube. Ainda não pintaram o novo modelo do emblema, adotado em 2008. Está lá o escudo antigo, deixando no ar um aspecto de desatualização tradicionalista. Na calçada e no acostamento da rua, impecáveis cavaletes de propaganda política atrapalham a passagem e poluem o visual: é o rosto photoshopado e sorridente do presidente do Conselho Deliberativo do clube, André Campos, candidato a deputado estadual. Também sobre a calçada, há outros cavaletes. Esses são improvisados, feitos lá mesmo na garagem: pedaços de madeira pregados em cima a uma tira de borracha que, apesar de sustentar os barcos, é frágil e se estica – constituindo um perigo aos equipamentos. São para estes cavaletes que os atletas caminham. São lá onde os barcos descansam, à espera da lavagem feita pelos próprios remadores, entre conversas e gargalhadas.

Foi o primeiro contato que tivemos com a equipe. Estávamos sentados próximos aos cavaletes onde lavavam os barcos. Eles brincavam entre si, sem se preocupar muito com nossa presença. Desacostumados com o horário, nos entreolhávamos sonolentos, comentando sem palavras certos detalhes que chamavam nossa atenção. O estado dos barcos, por exemplo: os materiais são caros e os recursos para o esporte olímpico no Brasil são escassos; justamente por isso, o equipamento no Nordeste é defasado. O cuidado com as embarcações, carinhosamente lavadas, ficou ainda mais evidente outro dia, no comportamento de Douglas: eternamente apressado para o trabalho, passou entre nós correndo, mas teve tempo para conferir um defeito num barco recém-lavado e procurar saber quem tinha sido o último responsável por ele. Pelo que nos disseram seus companheiros, Douglas é extremamente sério e organiza um grupo de leituras da Bíblia pelas noites da garagem – e é também muito divertido, um responsável direto por algumas das risadagens generalizadas.

Naquele dia de apresentações, pensávamos nas nossas motivações pessoais para a visita, essa reportagem. Mano remou seis meses na escolinha do rival Sport e aqueles instantes eram de recordações da rotina do período. Já o avô de Otávio foi remador ali, naquele mesmo Clube Náutico – e quantas histórias já contou dos tempos da juventude? Contou que o remo, naquela época, era o principal esporte do país – e que as partidas de futebol eram marcadas em função do calendário do remo. Explicou que o remo, como esporte, surgiu provavelmente na Inglaterra do século XIX, inspirado nas várias embarcações que já existiam. A partir daí, apuramos que desde 1818 o Leander Club já remava nas águas do Tamisa e que a tradicional boat race, por sua vez, é a regata disputada entre as Universidades de Oxford e de Cambridge desde 1829. Vimos que também há registros de regatas recreativas de barcos a remo que datam da Veneza renascentista.

Na Veneza, desta vez brasileira, e nas águas, desta vez do Capibaribe, o remo começou a ser praticado pelo Clube Internacional do Recife em 1888. O Náutico tem sua data de fudação oficial no dia 7 de abril de 1901. No entanto, o grupo que veio a fundar o clube já praticava a modalidade desde a última década do século anterior, sob outras alcunhas. Em 1905 foi fundado o Sport Club do Recife. O Santa Cruz Futebol Clube praticou remo apenas de 1920 a 1922. O Barrozo, cuja sede é vizinha à garagem timbu, é outro importante nome no cenário do remo pernambucano e está atualmente em um processo de revitalização de suas atividades.