27 fevereiro 2011

O doce veneno do elefante

Está em todos os jornais. Bruna Surfistinha, longa-metragem estrelado por Déborah Secco, foi lançado nacionalmente na última sexta-feira. Pode ser que você já tenha até assistido ao filme (eu não vi), mas será que você pensou o quanto realmente pagou para entrar naquela sala de cinema?

A película dirigida por Marcus Baldini foi baseada no livro O Doce Veneno do Escorpião, auto-biografia de Raquel Pacheco. A obra literária, que vendeu mais de 300 mil cópias e se tornou um best-seller brasileiro, conta a trajetória de vida de uma ex-prostituta, com direito a detalhes sórdidos dos programas.

>> Trailer oficial de Bruna Surfistinha. Mas cuidado! O Youtube pede que você tenha mais de 18 anos.

Se o livro vendeu bem (e num país em que as pessoas lêem pouco), imagina-se que sua versão áudio-visual também renderá bons louros aos seus produtores. Assim, pensamos todos, o filme deve ser auto-sustentável, com retorno financeiro certo e, portanto, deve ter atraído investidores. Um funcionamento, digamos... capitalisticamente correto.

Pois é. Mas acontece que estamos no Brasil: parece que aqui a festa tem que ter sempre uma batucada a mais. O que pode ser melhor para um produtor de cinema do que investir dinheiro em um filme com retorno certo? Ora, é claro! Muito melhor é ter o mesmo retorno, sem precisar investir um tostão furado... faço um projeto, mando pra uns amigos de Brasília, eles aprovam e pumba! Surge um dinheiro mágico, faço o filme, lanço e fico com os lucros só pra mim. E se eu for um mal produtor, fizer um filme ruim, o projeto der errado? Não tem problema, o dinheiro não é meu mesmo...

Peraí! Então, de onde é que vem esse dinheiro mágico? Ora leitor, é claro que vem do seu bolso. Você não fica nem sabendo, mas não se preocupe: é por uma boa causa, é tudo em nome da sua cultura, a cultura nacional. Foi assim, nessa lógica um tantinho divertida, que o nosso papai Estado repassou R$ 4 milhõezinhos para a produção do filme Bruna Surfistinha.


Em entrevista ao portal Último Segundo, Baldini choramingou um pouco, dizendo que não conseguiu dinheiro na iniciativa privada porque as empresas não queriam ser associadas a um filme sobre prostituição. “Tive a maior dificuldade de conseguir patrocínio com empresas porque ninguém queria investir dinheiro num filme sobre prostituição. Mesmo quando tinha o nome da Deborah. Nem assim. As pessoas tinham uma certa desconfiança sobre a abordagem. (...) Não temos marketing de empresa nenhuma. O filme é todo levantado com lei de incentivo”.

Será mesmo que um filme baseado num best-seller e com cenas de sexo de uma atriz da Globo que já foi capa de playboy não atrairia interesse de um fundo de investimento do mercado financeiro? O filme carrega um evidente apelo comercial. No lugar de um patrocínio com exposição de marca, poderia muito bem haver um investimento para futura participação nos lucros. Pode ser até que marcas não queiram ser associadas à prostituição, mas já viu banco não querer dinheiro?

As verbas mágicas foram conseguidas através da Lei de Incentivo à Cultura, que é um mecanismo de renúncia fiscal. A estrutura da lei é a seguinte: o produtor cultural prepara um projeto e envia para o Ministério da Cultura, que o aprova ou não. Um caso de aprovação significa que o governo está abrindo mão de um dinheiro para que o produtor cultural o receba. O produtor, então, procura empresas que, no lugar de pagarem impostos ao governo, passam a grana pra esse produtor. Imposto, depois de pago, não é meu, nem seu, é de todos – porque não há distinção sobre origem ou destino, o dinheiro não tem carimbo. Ou seja: no fim das contas, o imposto, que todos nós somos obrigados a pagar, é repassado pro produtor cultural, ele produz sua cultura, engorda seu bolso e nós não temos nenhum retorno: o filme não precisa nem ser bom; você paga, mas não precisa nem aprovar...

Segundo o artigo Leis de Incentivo à Cultura e Patrocínio: incentivo efetivo à cultura ou mera ferramenta mercadológica?, de Yannick Bourguingon, a Lei do Audiovisual estipula uma alíquota de dedução de 125%. O que isso significa? Se eu decido repassar 100 reais da minha empresa para patrocínio via lei de incentivo, deixarei de pagar 125 reais de impostos, como forma de cobrir possíveis gastos operacionais. Sendo assim, para que Bruna Surfistinha tenha recebido R$ 4 milhões de reais, significa que nós gastamos R$ 5 milhões de impostos.

No mesmo artigo, Bourguingon diz que a lei brasileira de incentivo à cultura é “demasiadamente permissiva e flexível”, pois não consegue estabelecer um critério confiável para escolha dos projetos que serão aprovados. A autora segue sua crítica:
“Nas suas atuais legislações, a Lei Rouanet e a Lei do Audiovisual propiciam uma administração pouco responsável e sem estratégia dos recursos públicos, uma vez que, concretamente, os projetos são financiados pelo dinheiro dos impostos devidos à União.”
Não sei vocês, mas eu desconfio (assim, de leve) que, num país como o nosso, 5 milhões de reais poderiam ser muito mais bem investidos... Pagaríamos o salário de quantos professores?

Por que será que em um país com altos índices de analfabetismo funcional não se concentram os recursos públicos na resolução desse problema? O Estado brasileiro quer fazer parte da solução de todas as áreas e não consegue focar quais são as nossas reais prioridades. Acaba sugando muitos recursos, uma das maiores cargas tributárias do mundo inteiro, e não resolve os nossos problemas. Nosso Estado é muito grande: pesado e pouco ágil.

Gastamos muito mal nosso dinheiro público. Financiamos farras, festas e futilidades. É o doce veneno do elefante.

// Este artigo foi originalmente publicado no blog dos Universitários pela Democracia - Pernambuco //

2 comentários:

Laís Franco disse...

Eu nem perdi meu tempo vendo esse filme. :SS

gostei do seu blog !

Bruno Monlevade disse...

um boquete?