As pernas já bambas do cansaço iminente insistiam num cruzamento entre si, por vezes cortavam o vento e espancavam a poeira das ruas de terra batida no subúrbio do Recife. Arretados aqueles passos desbotados começando a colorir a cidade, alegrando as mentes castigadas pela vida.
As primeiras levas de serpentinas eram arremessadas ao ar (como pássaros eufóricos recém libertos que, de antes presos, voar ainda não sabem) e após um ensaio de encantamento se esborrachavam no chão, para serem amargamente pisoteados. Sorte os que pegam carona nos ombros faceiros dos foliões falidos: tem adiada a angústia de sentir o peso dos pés de um tocador de tuba.
Os dias passam e os aperitivos dão lugar ao prato principal. É chegada a hora de ferver sob o sol que castiga o nordeste com secas, mas o abençoa com o clima exato pro suor sair. O suor é para o poro como a lágrima pro olho, mas a tristeza do segundo é camuflada no primeiro - é fruto de um esforço e semeia tons de orgia. Deflagrada a festa da carne.
A lua muda sua face e na teoria acaba a fase de repressão do superego. No plano de fundo figura um personagem que permeia essa fuzarca: o compasso binário frenético originalmente próprio para época. Mas agora, sombrinha no armário, um senhor já mais que centenário surge cansado de ser enforcado - ora pela luta, outra pela dança.
O Frevo hoje completa 101 anos de registro e exige ser ouvido o ano todo. Ele já está pronto. O ultimato é pra que seja ele o artista, o astro, o xodó. Chegou a hora. Recife conclama a todos: dancem-no, mas, sobretudo, ouçam-no. É o comando de nossa cultura, expressão maior de nosso povo. Radicalmente popular, surgido no seio da cidade - de qualidade inquestionável. Co-move.
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