03 fevereiro 2008

Gosto x qualidade

Ah, é bom porque eu gosto. Este péssimo argumento, derivado de um pensamento falacioso, infelizmente é muito comum de se ouvir por aí. Numa associação rápida e pouco inteligente, as pessoas confundem seu grau de afeição a algo com a qualidade do mesmo. Isso gera distorções enormes.

Gostamos ou não das coisas a partir de critérios estritamente pessoais, geralmente de ordem emocional, nem sempre ligados a racionalidade. Gostar é animalesco, instintivo. E, fique claro, não há nada de mal nisso. Pelo contrário: acredito ser fundamental a condição humana o desenvolvimento de tais afinidades.

O perigo está quando nos deixamos confundir e consideramos um gosto específico como a expressão da verdade. É quando atribuímos valor qualitativo somente a partir da impressão que nos é causada, caindo em pensamento falacioso. Está formada uma confusão entre emoção e razão.

Só a partir da reflexão podemos atribuir qualidade, executar julgamentos. É preciso, então, definir critérios e, obviamente, analisá-los racionalmente. Neste sentido, em oposição ao gosto, a qualidade não é instintiva ou animalesca, mas cultural. Qualidade e gosto podem, evidentemente, coincidir: é possível gostar do que é bom.

Talvez pareça tolice me usar de um texto para fazer distinções tão óbvias. Não é. Exemplifico: é rotineiro as pessoas considerarem boas as músicas que gostam e ruins aquelas que não lhe agradam. Trata-se de um tremendo egocentrismo, além de arrogância (ou não é arrogância achar que tudo que gosto é bom?). Podemos discutir o que é música boa, mas somente a partir de critérios musicais - ou não estaríamos discutindo a qualidade da música, mas talvez, sei lá, a emoção que ela desperta em você. (És daqueles que acha que a qualidade da música está somente na emoção que ela desperta? Então tento elucidar mais a questão: Kelle Key tem fãs – e não devem ser poucos)

Apesar de me dar nos nervos discussões pseudo-artísticas pautadas na irracionalidade, não é essa minha maior preocupação e motivação para este texto. A situação fica complicada quando passamos esta pequenez mental a outras áreas, mais notadamente a política. Ou devemos sair votando em quem simplesmente simpatizamos?

Manoel Paulo Ferreira

10 comentários:

Rebeca Barbosa disse...

Mano, eu fui procurar no dicionário o que significa qualidade, infelizmente ele ñ me satisfez o suficiente para comentar o seu texto agora. :P Vou pensar, quando tiver um período livre de tempo maior, eu recomento. Mas só posso dizer que, pra mim, a questão ñ é tão simples e óbvia assim. Depois eu desenvolvo mais..=) Mas gostei do assunto! Tu devia escrever mais sobre "pensamentos"!

Anônimo disse...

concordo com dona rebeca
ofereça mais ao ao mundo, mano!

Rebeca Barbosa disse...

Será que "as pessoas confundem seu grau de afeição a algo com a qualidade do mesmo" por o fato de agradar ser uma qualidade? Pelo menos pra mim é assim. Não vejo como algo que agrada possa ser ruim. Se, por exemplo, Kelly Key é uma droga de cantora, pela essência da música, ela é desafinada, ela não é criativa, ela não é uma artista e sim uma comerciante, mas ainda sim ela agrada a muitos, pra mim ela é boa e é uma qualidade e tanto. A música dela serve pra divertir milhares de pessoas, isso é bom!

"É bom porque eu gosto"

Quem diz isso, pelo menos sem contexto, está qualificando algo pelo agrado que lhe é causado e não necessariamente a função do próprio objeto em sua essência. Porque pra analizar a qualidade de algo, se tem que definir primeiro os parâmetros dos quais se vai partir - e de qualquer forma nessa frase isso ñ está explícito. Tem gente que parte da perfeição e acha que tudo no mundo é uma bosta, pra mim é válido, ele tá comparado seu objeto de estudo a algo. E talvez simplesmente dizer que 'é bom porque eu gosto' seja redundante, a pessoa foi mais emotiva do que analítica no momento, às vezes a pedido da circunstância. A questão é que alguém que diz isso não está muito preocupado em discutir o porquê de gostar de tal coisa e acaba caindo na passividade. Assim, eu acho que o problema está muito mais na falta de ciência das pessoas do que na frase em si.

*E eu não acho que uma atitude emocional é necessariamente ñ-racional e nem que gostar é necessariamente animalesco e instintivo. Eu vejo a emoção e a razão se misturarem sem a gente nem perceber, portanto não "está formada uma confusão entre emoção e razão" é formada uma confusão entre emoção e razão, por isso que não acho essa questão tão simples e óbvia.

Preu parar de escrever, eu respondo: "És daqueles que acha que a qualidade da música está somente na emoção que ela desperta?" Não, não acho, mas a emoção que desperta também está incluída no todo. Só acho um erro desprezá-la. :)

Anônimo disse...

Adorei o comentário. Vamos lá.

Será que "as pessoas confundem seu grau de afeição a algo com a qualidade do mesmo" por o fato de agradar ser uma qualidade?

Agradar é, sim, uma qualidade. Mas não é uma qualidade do objeto em si. É uma característica que irá variar a partir dos diferentes interlocutores. Porque, neste caso, está se fazendo uma análise da relação entre o objeto e o analisador.

Algo que agrada pode, sim, ser ruim. No caso, seria positiva a relação mantida com o objeto, o que não torna o objeto bom. Um exemplo prático: cigarro é, em si, ruim, por todas as causas que conhecemos. No entanto, muitos no mundo gostam, fumam e tem prazer com isso. Mas o cigarro não é bom por isso, apesar de causar uma sensação boa advinda da relação que se tem com o mesmo. Posso gostar absurdamente de um assassino e não é por isso que ele deixará de sê-lo e, a partir de critérios de ordem moral e valores humanos específicos onde matar é negativo, ele será uma pessoa marcada negativa, o que baixa sua qualidade como objeto. Neste último exemplo, trata-se de uma questão mais delicada, que envolve muitas variáveis. Sei disso e não quero aqui ter como conclusão final que todo assassino é “ruim”. Deixo claro que é apenas um exemplo e acho que seja mais fácil visualizar minha idéia a partir dele.

Quanto a Kelly Key, podemos analisá-la por diversos parâmetros. Ela atingir satisfatoriamente os objetivos que impomos em certos casos, não faz atingir em outro. Que quero dizer com isso? Se pensarmos exclusivamente na melodia de suas músicas, o resultado deste julgamento não deve interferir no que analisaremos de sua dança. É possível ter uma média das qualidades analisadas e aferir um julgamento específico, podendo valorar diferentes objetos e compara-los. Estou, com isso, defendendo a possibilidade de, a partir de reflexões, dizer, por exemplo, que Machado de Assis é melhor que Paulo Coelho – e não ter nesta afirmação um relativismo radical [e até infantil], ou seja: discutindo-se a partir de critérios acordados e compartilhando das conclusões gradativamente surgidas não admitir relativismo na sentença final da avaliação. Lembro que, mudando-se os critérios iniciais, tudo muda. Não foi a isso que chamei de relativismo radical.

Anônimo disse...

eu acho que o problema está muito mais na falta de ciência das pessoas do que na frase em si.

Sim, concordo: usei a frase mais para discordar do que vem por trás dela, da superficialidade em que está contida. Como disse, o problema não é não querer discutir e fechar-se: é acreditar que simplesmente está com a verdade por impulsos instintivos. Acredito que a Verdade existe, apesar de ser inalcançável. Inalcançável porque a vejo na imparcialidade: creio que a Verdade são as coisas em si, sem as interferências do sujeito que a observa. E não acredito na possibilidade da imparcialidade por o homem estar o tempo todo ‘contaminado’ de si. O homem não tem acesso às coisas, mas a sua impressão das coisas. E, então, para ter acesso a elas, seria preciso sair de si – algo sobre-humano. Para isso, é preciso ter um auto-conhecimento descomunal e tentar abstrair-se dos próprios sentidos (a racionalidade). No entanto, mesmo não a alcançando, creio na obrigação de perseguir a Verdade (a Verdade liberta.).

Nessa obrigação, seguimos sempre na tentativa. A plenitude não teremos; coincidências, talvez.

Anônimo disse...

*E eu não acho que uma atitude emocional é necessariamente ñ-racional e nem que gostar é necessariamente animalesco e instintivo. Eu vejo a emoção e a razão se misturarem sem a gente nem perceber, portanto não "está formada uma confusão entre emoção e razão" é formada uma confusão entre emoção e razão, por isso que não acho essa questão tão simples e óbvia.

Bem, eu disse que gostar é estritamente pessoal. Não falei que nunca há racionalidade no gostar:

“Gostamos ou não das coisas a partir de critérios estritamente pessoais, geralmente de ordem emocional, nem sempre ligados a racionalidade.”

Acho que irei me repetir, mas vale o destaque: a Verdade não é pessoal, não pode, conceitualmente, ser relativa. Então, numa análise racional (que visa chegar à Verdade, saliente-se) é preciso desfazer-se destes critérios estritamente pessoais. O tempo todo, usei qualidade descambando pro sentido deste racional.

A confusão entre razão e emoção acontece pela ausência do “auto-conhecimento descomunal”, por não vermos onde estão os limites de nossa influência sobre a imagem que temos dos objetos. A existência desta confusão que chamei de questão óbvia – as outras questões que tratei são todas derivadas desta (talvez tenha ficado mal escrito, mas a idéia habita na minha cabeça desta forma). Acabar com ela, nem de longe, é algo óbvio.

**É possível “racionalizar” a partir da emoção. Acho que a isso Suzano chama de razão logopática. (Mas, pensando agora, penso que não se tem, aí, o intuito da Verdade | creio que este recurso se dê em questões mais práticas, de inteligência emocional no dia-a-dia – esta é uma idéia ainda verde.)

*** Neste contexto, acho que não desprezei a emoção.

Abraços.

Rebeca Barbosa disse...

Puts! Muito bom teu desenvolvimento no comentário das "23:45"!. Apesar de discordar de que a Verdade é inalcançável.:)

No entanto, o que foi tratado é justamente algo feito pelo homem, algo parcial, nossa música é parcial, se formos partir da Verdade, como você diz 'as coisas em si', nada é bom aqui na Terra. Meus parâmetros de algo bom aqui são tomados pelos afetos gerados, porque isso é uma coisa boa para a maioria das pessoas. Por exemplo, no tempo das cavernas, se chegassem com uma música clássica tocada por uma orquestra, algo considerado 'bom' hoje em dia, provavelmente as pessoas daquele tempo não iriam curtir tanto quanto uma de agora. Simplesmente porque eles eram tão rudes que não entenderiam. Pra eles oq era bom eram as danças feitas para o Sol, para a Lua, pq isso teria um significado para eles. Aplicando o exemplo ao grupo que gosta de Kelly Key, eles gostam da letra porque pra eles há um significado, eles tão no mesmo nível da música, para eles é bom, a função de Kelly Key como cantora é boa. Se pegar uma ópera e colocar pra esse mesmo grupo assistir, aposto que pouquíssimos irão gostar, para eles não tem função, eles ñ entendem como entendem Kelly Key. No final das contas: pra mim agradar é sim uma qualidade do objeto em si, a função dos objetos (pelo menos no nível que nos encontramos) é justamente se relacionar com outros objetos. Eu concordo que é uma característica que vai variar a partir dos diferentes interlocutores, por isso o que é bom pra mim pode ñ ser bom pra vc - utilizando daquela frase "o remédio que me cura é o veneno que te mata". Nisso eu tô me prendendo ao conceito de bom e bom pra mim é uma qualidade que existe em função de outros objetos. Só usando o conceito de bem que daria margem pra uma análise buscando a Verdade do objeto, e pelo menos pra mim a Verdade é a perfeição ou o caminho para a busca dela, aí poderíamos dizer que Kelly Key é ruim, porque aqui no nosso mundo existem músicas de excelência em maior grau.

Quanto ao cigarro, a partir do que eu tentei me explicar, acho que fica claro que ele faz MAl, mas ele não é MAU - enfatizando o conceito de bom e bem - se ñ fosse bom fumar, ninguém era fumante. E quanto ao assassino: ele só tá meio atrasadinho, mas todos temos defeitos, tomamos atitudes boas e ruins a todo o tempo. Mas como vc disse "ele será uma pessoa marcada negativa" e ele é justamente marcado desse jeito por conta dos nossos valores, dos valores que a sociedade ATUAL julga, ele ñ tem função aqui, porque ñ o valorizamos, há 4 mil anos atrás ñ seria bem assim. Por isso, ele sim "baixa sua qualidade como objeto" do próprio homem e ñ da Verdade, pq pela Verdade todos somos maus, ou mais ou menos.

*E eu não disse que você disse que nunca há racionalidade no gostar.^^ Só que como vc enfatizou esse lado eu quis enfatizar o outro.

**Desenvolve depois mais sobre tua idéia verde.=)

Anônimo disse...

o que foi tratado é justamente algo feito pelo homem, algo parcial, nossa música é parcial, se formos partir da Verdade, como você diz 'as coisas em si', nada é bom aqui na Terra.

Calma aí. Quando o homem finaliza uma ação, ela tem, por si, uma autonomia de seu autor e se a teremos como objeto, deve ser analisada como tal, individualmente. Podemos até partir pra análise do autor a partir de sua obra ou do pensamento embutido em seu produto, mas aí não teremos a análise do objeto enquanto objeto – no caso específico, da música como música. Esse é o fundamento das falácias ad hominem: não devemos misturar as coisas. Assim, do ponto de vista musical, uma música é o objeto, ela é a própria coisa em si, a própria Verdade e não uma interpretação sobre ela mesma. Não deve ser pensada, portanto, como algo parcial, mas como a própria coisa. Parcial são nossas interpretações sobre elas. Tentamos nos afastar da parcialidade quando consideramos determinados critérios e os analisamos com a tentativa de desgarrarmos-nos de nossa individualidade, no sentido de gosto. Quando tentamos partir para uma reflexão analítica estritamente racional. Não creio que consigamos efetivamente chegar nesse ponto. Se conseguíssemos o extremo de anular a si próprios no momento de análise, chegaríamos na verdade. Creio que as discussões devem sempre estar pautadas nesse espírito: o de se aproximar da Verdade. Enquanto não chegamos nela, é possível discordar, como fazemos agora em relação a este tópico. Entendo a consideração de que as coisas provocadas por um objeto fazem parte do mesmo, mas discordo no ponto em que as conseqüências das coisas dependem da relação delas com seu redor. Há um murro. Posso esmurrar uma parede, quebrando-a. Se quebro uma parede, a parede quebrada não passa a fazer parte do murro. O murro é apenas o murro e pode ser relacionado com outras coisas, diferentes, que ocasionarão diferentes conseqüências. Penso, então (estou me repetindo), que possíveis conseqüências das coisas são conseqüências e não as coisas em si. Porque algo não pode ser e não-ser ao mesmo tempo. Ressalto, pois, que a análise do impacto das músicas sobre as pessoas não é uma análise das músicas, mas, como disse, simplesmente do impacto delas.

E, como assim, nada é bom aqui na Terra? Penso que há, sim, coisas boas e más por si, sem generalizações.

Anônimo disse...

a função dos objetos (pelo menos no nível que nos encontramos) é justamente se relacionar com outros objetos.

Acho que pensar a relação ainda não é pensar o objeto. Sigo pensando sobre isso.

*Beca, faz uma conceituação diferenciando Bom e Bem?

Mariana Gominho disse...

Pra quem pensa que o voto de cabresto acabou, surgiu a mídia... Os jingles, os santinhos e o horário gratuito de propaganda.