13 novembro 2008

Sobre a crise econômica

Bem, há muito queria escrever sobre a crise, apontando alguns fatores que contribuiram para seu surgimento e a proporção atingida. A falta de tempo, no entanto, adiou bastante os planos. Um meio de contemplar as duas necessidades (expor a opinião e manter-me com tempo) é este post. Recorro a texto de Emmanuel Martin, publicado no excelente Ordem Livre e a vídeo-comentário de Rodrigo Constantino.

A crise de (má) fé

A fé no mercado desapareceu: a crise atual é a crise do capitalismo, do liberalismo e do laissez-faire. Esse é um fato firmemente estabelecido para a maior parte dos intelectuais, da mídia e dos políticos. Denunciam-se os mercados e os especuladores, esquecendo-se um pouco depressa de que a responsabilidade pela crise talvez se encontre também – e, sem dúvida, principalmente – no lado político. Uma pequena omissão, portanto. Ou um ato de má fé e de propaganda, por meio do qual se introduzem medidas que vão aumentar ainda mais o poder dos políticos – que não havia milagrosamente desaparecido, longe disso. A última semana foi assim, repleta de declarações de má fé.

O ex-primeiro ministro francês Michel Rocard, entrevistado por Le Temps na Suíça, confessou calmamente que era uma pena que o economista Milton Friedman, prêmio Nobel de 1976, já tivesse morrido, porque teria sido possível arrastá-lo perante o Tribunal Penal Internacional por crimes contra a humanidade (isto é, por ter defendido o liberalismo). Perdoemos o Sr. Rocard por este ato de bravura intelectual (seu “acusado” teria dificuldade de lhe responder), mas lembremos a ele que Friedman é o pai da regra monetária do crescimento do estoque de moeda de acordo com o do produto, que, se respeitada, teria evitado essa crise...

O presidente francês, Nicolas Sarkozy, por sua vez, preconizou um “retorno da política”, porque “a ideologia da ditadura dos mercados e da fraqueza pública morreu”. O grande democrata Hugo Chávez, aliás, não demorou a saudar o “camarada Sarkozy”. É um sinal. Em seu grande discurso anterior, há um mês, o presidente que “queria dizer a verdade completa aos franceses” só lhes havia dito, de fato, a metade. Escondendo as responsabilidades públicas por essa crise, o presidente francês colocou seu país em uma via perigosa. O presidente, que diziam ser liberal há apenas alguns meses, deve ter mudado de fé, por força do pragmatismo.

Mas a maior surpresa vem, sem dúvida, da “angústia” do ex-presidente do Federal Reserve, no comando da política monetária da principal potência mundial. Sua fé no mercado também deve ter sofrido um duro golpe. Quando lhe perguntaram sobre sua responsabilidade pela crise, ele se disse surpreso de que os agentes do mercado não tivessem se comportado bem diante de sua política monetária explicitamente frouxa! O Sr. Greenspan havia visivelmente se esquecido de que sua política monetária podia alterar os incentivos aos agentes...

Perante o que parece fortemente má fé propagandística, é urgente que as pessoas informem-se sobre a verdadeira origem dessa crise. É claro que os agentes das finanças agiram de maneira irresponsável. Ninguém contesta isso. Os riscos foram subestimados. A questão é saber onde está a origem dessa irresponsabilidade. Pelo menos duas respostas são encontradas.

- A política monetária americana de dinheiro gratuito (com taxas de juros reais negativas) entre 2002 e 2005 para “estimular” a economia, o anúncio do Fed de que, em caso de bolha financeira, ele garantiria a quebra (compreenda: “lucros privados, perdas socializadas!”), e depois o súbito e importante aumento dos juros (sufocando os tomadores de empréstimos a taxas variáveis). O Fed tornou-se um criador de bolhas!

- A política social americana consistente em permitir a famílias modestas ter acesso à casa própria, obrigando os bancos a aceitarem carteiras de créditos justos por meio do Community Reinvestment Act, e obrigando as instituições híbridas (entre públicas e privadas) de refinanciamento de hipotecas, Fannie Mae e Freddie Mac, a garantir preços de hipotecas cada vez mais arriscados (com objetivos muito precisos do Housing and Urban Development Department de beneficiar famílias modestas). E membros do Congresso ainda faziam pressão, no início do ano, para que as margens cautelosas de Fannie e Freddie fossem diminuídas!

A crise atual, portanto, tem sua origem, em primeiro lugar, na dopagem da economia pela política, dopagem que repousa em “falsos direitos” (direito a dinheiro gratuito, direito a crédito), que só podem levar à desordem social, como explicou muito bem o economista Jacques Rueff. A “refundação do capitalismo” passará, assim, primeiro por sua despolitização e pela restauração da responsabilidade em seu seio. Será preciso também interromper a crise de má fé das esferas políticas.

*Emmanuel Martin é doutor em Ciências Econômicas e editor do site Unmondelibre.org .
*Lembre-se do vídeo-comentário.

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