23 outubro 2009

A Liberdade está na estrada

Uma expedição incomum está percorrendo o Brasil. Jovens intelectuais estão visitando as principais universidades do país, realizando seminários e divulgando as idéias de Liberdade. A aventura começou no Rio Grande do Sul e chegou ao Recife no último dia 21, quarta-feira. Mais precisamente, no auditório de filosofia, 15° andar do CFCH.

O tour é uma iniciativa do OrdemLivre.org, organização brasileira para divulgação do pensamento liberal. O evento recifense teve a presença de 4 palestrantes: Diogo Costa, cientista político e editor do Ordem Livre; Rodrigo Constantino, economista; Lucas Mafaldo, psicólogo e mestre em filosofia; e Gabriel Gallo, líder estudantil venezuelano.

O evento foi bastante enriquecedor, ao reunir e congregar simpatizantes do ideário liberal. O principal aspecto, no entanto, está na divulgação das idéias de liberdade num contexto como o brasileiro, de quase monopólio cultural das esquerdas - especialmente dentro do âmbito acadêmico.

Diogo Costa
A palestra inicial dedicou-se a situar o pensamento liberal no espectro político contemporâneo e apresentar suas bases filosóficas. Um homem é, sempre, um fim em si mesmo e não pode ser usado por outra pessoa ou grupo de pessoas como um objeto. Para tanto, é preciso respeito à propriedade humana (ou seja, àquilo que é próprio do homem): vida, liberdade e o resultado de tudo que você faz usando esses preceitos – ou seja, o patrimônio que você constrói.

Lançadas as premissas, dedicou-se à análise da divisão mais comum atualmente do pensamento político: criticou o velho modelo baseado no dualismo ‘direita x esquerda’. Este arquétipo político está ultrapassado. Uma rápida demonstração: é comum classificar como exemplo da extrema direita uma pessoa como Hitler e, ao mesmo tempo alguém como Stalin é o símbolo da extrema esquerda. Convenhamos, não há exatamente grandes diferenças entre estes dois assassinos. A proposta do OrdemLivre é que situemos um posicionamento político com base em dois eixos: progressismo x conservadorismo e liberdade x autoritarismo. Assim, a concepção de Estado liberal estaria representada por uma localização central no quadrante da liberdade, conferindo uma colocação neutra no outro aspecto. Em outras palavras, o liberal acredita que o Estado deve ter um posicionamento amoral, pautado na defesa da liberdade e na não imposição de conceitos.

Ressalta pessoal: isso não significa, nem de longe, que um liberal não possui suas próprias convicções morais. Significa que ele acredita que não cabe ao Estado impor uma das visões aos indivíduos.

Outro ponto abordado que levanta interesse: a necessidade de emergência de um contra-gramiscismo dentro do ambiente cultural brasileiro, que é amplamente monopolizado pelas idéias da esquerda.

Rodrigo Constantino
O capitalismo está em crise? Foi sobre essa pergunta que o economista se debruçou. Para respondê-la, expôs importantes conceitos do pensamento econômico liberal e explicou as origens da atual crise econômica sob a ótica da escola austríaca. Tendo sempre em mente que no liberalismo os mercados devem manter-se livres da interferência estatal, vamos a sua argumentação.

Segundo Constantino, a manipulação das taxas de juros pelo Fed, banco central americano, foi a grande causa da crise. A taxa de juros, essencialmente, nada mais é que o principal preço do sistema capitalista: o do capital. Naturalmente, este indicador é aferido pela relação entre dinheiro poupado e dinheiro vendido, ou seja, quanto os bancos possuem (oferta) e quanto se demanda que ele empreste. Quanto maior a poupança, maior a oferta de capital e, portanto, menor é seu o preço - os juros. Daí decorre que uma queda na taxa de juros incentiva o consumo – já que fica mais fácil financiar as compras. E um aumento na mesma taxa incentiva o poupador, retraindo o consumo – já que o dinheiro sendo mais caro se torna mais lucrativo.

Ocorre que, nos últimos anos, com o objetivo de incentivar o consumo e movimentar a economia, o Fed manteve os juros artificialmente baixos. Essa medida foi tomada, especialmente, após cada crise (e foram significativas nos anos 90: Brasil, Japão, Nasdaq) – com o objetivo de retardar seus efeitos. Acontece que toda manipulação gera uma distorção e o movimento natural é que essa distorção seja compensada de algum modo mais na frente. Ironicamente, esta medida também foi tomada nesta crise – o que sugere que mais na frente sofreremos mais conseqüências. Na metáfora de Constantino, a economia estava em festa, tomando todas numa orgia, com direito até a rodadas de álcool grátis. Então, veio a ressaca. E que medida tomaram? Deram mais bebida ao bêbado.

A manipulação artificial da taxa de juros já demonstra a grande influencia do Estado na origem da crise. Mas não foi só isso. A interferência do governo pode explicar também qual o epicentro dessa coisa toda: o setor imobiliário. Desde muito tempo há nos Estados Unidos uma política de auxílio e incentivo à compra da casa própria, através do RCA – Reinvestiment Comunnit Act. Esta lei determina que os bancos devem emprestar parte de seu dinheiro à pessoas que não tem condições de comprar sua casa própria. Além disso, o governo financiou diretamente este populismo, através das para-estatais Fannie Mae e Freddie Mac (como, no Brasil, ocorre com a Caixa no programa Minha Casa, Minha Vida). Para tanto, o governo funcionava como avalista destas pessoas que pegaram dinheiro emprestado. Esta política gerou uma bolha no setor imobiliário americano, que estourou e serviu de pontapé inicial à crise.

(Num post futuro vou explicar mais detalhadamente os mecanismos que fazem com que estas medidas se tornem tão significativas a ponto de gerar uma crise de tão grandes proporções)

A conclusão, enfim, é que o governo possui impressões digitais nas principais cenas da crise. Em outras palavras, ao contrário do que políticos alardeiam aos quatro cantos, não vivemos crise do capitalismo, muito menos do liberalismo: vivemos, sim, uma crise do intervencionismo na economia.

Lucas Mafaldo
O psicólogo e mestre em filosofia abordou o tema Justiça Social e apoiou sua palestra no pensamento do filósofo norte-americano Robert Nozick. Inicialmente, Mafaldo versou sobre o difundido costume das pessoas de considerar justo aquilo que se aproxima de suas aspirações, de seus desejos.

As pessoas fazem idealizações da sociedade. Então, comparam sua visão da sociedade real a sua própria sociedade idealizada. Quando as características estão próximas, a pessoa conclui que se trata de uma sociedade justa. Quando não, é uma sociedade injusta.
Este modelo de justiça, no entanto, traz em si muitos problemas. Todos possuem idealizações de sociedade. Alguns pensam que o ideal é destacar socialmente a posição dos médicos; outros, acreditam que os juristas merecem grandes recompensas; há ainda os que pensam nos artistas como merecedores das maiores honrarias. O pensamento esquerdista difunde aos quatro cantos que justo mesmo é que todos tenham igualdade financeira e social. Como seria possível conciliar tantos modelos e chegar a uma sociedade justa de modo democrático, a respeitar as normais divergências existentes?

Neste paradigma de justiça, a tarefa é impossível. Isto demonstra a inconsistência deste modo de conceber o que seria justiça social. Para resolver esta questão, Nozick dirá que não podemos recortar a realidade social, tirá-la de seu contexto de construção e fazer juízo de valor a partir daí, como se a justiça social pudesse ser representada numa foto – e a comparação da foto com seu ideal da foto fosse o parâmetro de justo. Esta, no fim das contas, é uma postura autoritária – que procura definir os rumos da sociedade, limitando suas possibilidades de destino.

O que Nozick propõe é que a justiça está no processo. Ou seja, que o que torna algo justo ou injusto é a forma como foi concebido, construído. Dentro desta idéia, lembrando as premissas liberais, justo é todo processo que respeita a vida, a liberdade e o patrimônio de todos. Não cabe ao Estado julgar qual seria o resultado final ideal. Cabe ao Estado somente acompanhar a justiça dos processos.

Neste sentido, a liberdade não está num lugar específico onde devemos tentar chegar. A liberdade está na estrada.

Sendo assim, dados sobre desigualdade financeira são, de fato, interessantes, mas estão longe de serem o que realmente importa. Falar que uma sociedade é economicamente desigual não corresponde a falar que uma sociedade é injusta. A justiça não está na foto. A justiça está na estrada.

Gabriel Gallo
O líder estudantil venezuelano está na frente da resistência à ditadura Chávez. Em sua palestra, Gallo expôs o que é o bolivarianismo chavista – também chamado de socialismo do século XXI. Foram abordados os aspectos práticos e ideológicos desta prática e discurso políticos.

Em resumo, trata-se de um regime de supressão das liberdades individuais e da construção de um Estado gigante e opressor. O Estado deixa de ser um prestador de serviços aos cidadãos para se tornar senhor.

Os pilares deste tipo de regime são antigos conhecidos: alta intervenção (para não dizer controle) na economia e interferência do Estado sobre a vida privada dos cidadãos (a última do governo Chávez é a tentativa de regulamentar o tempo do banho das pessoas, devido à crise de abastecimento d’água – gerada pela ineficiência das estatais que cuidam da infra-estrutura do país), além do expansionismo expresso na Alba (Alternativa Bolivariana das Américas) – onde países estão sendo cooptados pelo caudilho e seguindo seus passos rumo à destruição da democracia.

Nenhum comentário: