"O leito é terra firme/Suportando toda água/E as angústias de quem vive/Liquefeito em sua mágoa//As bordas circulares/Abrigam a quem luta/Sejam grandes palmeiras/Ou grama semi-enxuta//A força das raízes/Humidificadas de tormento/Sustenta, tal matrizes/Sanando o invento//O tronco amarronzado/Faz da lama cimento valoroso/Maneja o mangue imundo/E o frutifica galhardo//As flores são em si/Tão doce provento/Brancas, vermelhas, violetas/Artistas de todo motejo//Com um palco em sua margem/A lagoa está formada/E o aquoso público da imagem/Faz dela a lagoa ovacionada."A Lagoa do Araçá é alimentada pelas águas do Rio Tejipió e constitui atualmente uma unidade de conservação que compreende pouco mais de 14 hectares. Localizada no bairro da Imbiribeira, zona sul do Recife, hoje é uma das áreas mais aprazíveis da cidade.
O cenário nem sempre foi assim. O espelho d’água natural convivia com a ameaça de aterramento até que a principal reivindicação de um grupo organizado por moradores da região, os Amigos da Lagoa do Araçá, foi atendida: em 1995 o então prefeito Jarbas Vasconcelos concluiu a urbanização da Lagoa. Nas palavras da moradora Alzenir Cordeiro a transformação foi tão radical que “transformou um poço de lama e lixo numa área de lazer maravilhosa”.
Um trabalho de reflorestamento devolveu às margens da Lagoa a vegetação de mangue, característica deste tipo de bioma. Seu entorno foi asfaltado e as calçadas ganharam diversos equipamentos de lazer: pista de cooper com 1,5km de extensão, campo de futebol de areia, quadra de vôlei, pista de skate, praça de eventos (onde hoje funciona uma academia da cidade) e 2 parques com equipamento de lazer infantil, além de diversas áreas de convivência com bancos e flores.
Nem tudo é lindo, no entanto. O sistema de esgoto do bairro não acompanhou os demais investimentos em infra-estrutura. A população cresceu e mais dejetos passaram a ser jogados diretamente na lagoa, que ainda hoje possui canos que despejam lixo sem tratamento nas águas. Antes era pior, é verdade. Um indício de que a situação melhorou está nos peixes: a vida marinha voltou a ser uma realidade e a pescaria pode ser observada na paisagem cotidiana.
A solução deste problema está parcialmente encaminhada. Várias obras de saneamento estão em andamento nas imediações, viabilizadas através de recursos do Programa de Aceleração do Crescimento, o PAC, do governo federal. A esperança é que, finalizados os serviços, a poluição diminua e a natureza possa, enfim, respirar fundo. Essa esperança, contudo, não se consome em certeza: o Rio Tejipió, cujas águas alimentam a lagoa, possui mais de 20 km, alguns dos quais expostos à sujeira, oriunda, por exemplo, de comunidades ribeirinhas e palafitas – e não há previsão para resolver tudo isso.
Os transtornos causados pelas obras de saneamento têm deixado vários moradores descontentes. As tubulações de esgoto exigem a perfuração de grandes buracos – que, por sua vez, nem sempre são devidamente tapados. O retrato da situação passa a ser uma rua esburacada e de terra onde antes havia asfalto.
Quem não tem carro e precisa usar o transporte público reclama do acesso ao sistema. Há apenas uma linha de ônibus que passa por dentro do bairro (vai até a Av. Dantas Barreto, no centro) e outras duas linhas de transporte complementar, feitas por microônibus, que vão para San Martin, Afogados e Boa Viagem. Para ir a qualquer outro lugar é preciso andar até a Av. Mascarenhas de Moraes, uma caminhada que pode chegar a até 2 km, e, em muitos casos, ainda há a necessidade de pegar outra condução depois. A inauguração da estação de metrô da Imbiribeira, componente da chamada linha sul, melhorou um pouco o panorama: a partir da integração é possível ir para mais lugares pagando somente uma passagem. A distância de alguns pontos do bairro, mesmo assim, é um problema que persiste.
Esta caminhada, muitas vezes indesejada, vira uma questão ainda maior à noite. A alta criminalidade do grande Recife pode ser sentida no bairro, principalmente nas ruas mais escuras. Há alguns anos havia o Núcleo de Segurança Comunitária da Lagoa do Araçá, que integrava a ação da polícia à comunidade e estava funcionando com eficiência. Com as mudanças de governo, a política de combate ao crime foi alterada e, segundo relato de moradores, não há mais rondas regulares de duplas de policiais e eles atuam sem o empenho desejado.
O sentimento reinante é que a região, de um modo geral, merece maior zelo por parte das autoridades: iluminação pública, estado das calçadas e asfaltos, poda de árvores, pintura de espaços públicos. A crença é que, fossem os serviços mais constantes, a área traria mais benefícios a todos – e atrairia mais gente de outros bairros em busca de lazer.
Todo esse potencial parece estar sendo vislumbrado pelo mercado imobiliário. Cresce a olhos vistos o investimento do setor privado: há prédios recém construídos e vários em construção. Com o eixo de desenvolvimento do estado sendo deslocado ao sul pelo entusiasmo em torno de Suape, a zona sul do Recife deve crescer ainda mais. A saturação de Boa Viagem sugere a redescoberta de outros pontos próximos. Para um público em busca de qualidade de vida, com espaços verdes e de lazer, a Lagoa do Araçá, que ainda é próxima do aeroporto e do centro comercial da cidade, se apresenta como uma solução ideal.
Um comentário:
Muito boa reportagem, Mano! Apuração bem feita e zelo pela linguagem só poderiam dar nisso: um texto fluido, bem elaborado, gostoso de ler. Abraço!
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