Hora de deixar a garagem. Àquela altura, a equipe já estava espalhada, cada um em seu compromisso. Fany devia estar estudando. Arthur, no colégio. Pedro, também. Marcos estava na auto-escola. Lucas estava indo pra casa, ver os pais e estudar – colégio, pra ele, só à tarde. Afonso estava indo pro buffet. Tripa, trabalho. Douglas, trabalho. Todos voltariam mais tarde.
Dentro da rotina de treinos, a preparação física geralmente fica para a segunda etapa diária de treinamento, que acontece ao entardecer e segue noite adentro. Se a Rua da Aurora é casada com o alvorecer, o crepúsculo é um amor platônico. Tão belo quanto seu cônjuge, permanece distante, inalcançável – chega à sua admiradora apenas seus vestígios, suas cores refletidas. A cidade que se avizinha mostra sua cara. Pessoas apressadas passam indiferentes, carros com os faróis ligados cortam a rua, assim como os barcos cortam o rio pela manhã. Os remadores chegam paisanos, misturados ao mundo de lá. Marcos, filho de padeiro, vem de casa com o pão para o jantar e o café-da-manhã de todos. Cada um, submetido aos caprichos de seus horários, aporta e se prepara para a bateria de exercícios que vão executar. Individualmente. Para, enfim, ao cessar dos afazeres físicos, se aglutinarem pouco a pouco, nos instantes extremos de convivência. É quando o videogame do escritório faz sentido. Quando todos conversam: em duplas, em grupos – em equipe completa. Até que o imperador dos versos compartilhados passa a ser o cansaço, a ordenar autoritariamente que os olhos se fechem.
Mas, afinal, o que os fazem voltar todos os dias? Para Lucas, o remo é como uma terapia: “quando tenho qualquer raiva, eu penso logo ‘quero treinar’ e parece que aí eu rendo mais, botando mais força na água”. E, então, completa: “sinto falta dos meus pais e às vezes imagino minha mãe sozinha com os dois filhos fora de casa e eu só tenho 15 anos, mas minha casa, agora, é praticamente aqui, mais do que a minha casa mesmo”. Afonso, mais velho, é mais sintético: “eu remo por amor, porque eu gosto de remar – não é por outra coisa não; se eu não gostasse, não acordava todo dia às 4h30 da manhã”. Pedro diz que sente falta das reclamações da mãe, mas gosta da rotina difícil e acha engraçado a relação com as pessoas que passam por cima das pontes nos inícios de manhãs: “tem gente que grita ‘’rema, cacete!’, eu acho engraçado... eles tão indo trabalhar, devem pensar ‘que bando de doido, deviam tá era dormindo – ou arrumar uma lavagem de roupa, num tem o que fazer...’, mas é que eles não entendem”, Pedro prepara a explicação: “no remo, você não treina no abafado, você se sente livre quando entra ali no rio, pode fazer tudo... e quando você olha pra cidade ali de dentro, até a movimentação é diferente”.
Entre brigas e brincadeiras, relações que se constroem e se fortalecem. “Ninguém tá de bom humor o tempo todo, então tem dia que tem um desentendimento, mas a gente já tá tão acostumado, é como uma família mesmo”, explica Arthur. Marcos concorda e completa: “se tivesse de escolher entre dormir em casa e dormir aqui, eu dormiria aqui. Em casa é aquele negócio: chegava, dormia e acabou. Aqui é a companhia do pessoal – querendo ou não, aqui é a família da gente, com as brigas, com as brincadeiras, um perturbando com o outro”. Os garotos da garagem. Um convívio diário, familiar. De um casamento do tempo com o espaço. De irmãos de sangue que se aproximam, de irmãos de remo que se divertem. Que crescem. Que vivem.
Um comentário:
Mano e Otávio =)
Parabéns pelo perfil =)
Ficou muito bom =)
Postar um comentário